Notícia

Em artigo, André Farah alerta para risco de politização da justiça criminal

Inserido em 10 de maio de 2021
Compartilhamento

O promotor de Justiça do MPRJ André Farah publicou neste sábado (8), na coluna do jornalista Frederico Vasconcelos, da Folha de S. Paulo, artigo intitulado “O Ministério Público, os partidos políticos e a desinformação”. Mestre em Direito público pela UERJ e associado da Amperj, ele comenta no texto o projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional, aprovado na Câmara dos Deputados, e que aguarda análise do Senado.

Leia mais: Após operação policial no Jacarezinho, presidente da Amperj destaca a importância do poder de investigação do MP
Felipe Ribeiro lança obra atualizada sobre administração pública em tempos de pandemia

Farah dá especial atenção ao mecanismo da ação penal privada subsidiária, presente no projeto. O recurso permitirá a partidos políticos com representação no Congresso Nacional iniciar um processo criminal. O promotor afirma que em um regime democrático, é preciso que haja uma atuação em cooperação entre a política e o sistema de Justiça, e ressalta que “o formato que o PL arquiteta pode elevar os ânimos, politizar a justiça criminal e não trazer o resultado que a sociedade deseja”.

“A polarização política se aproxima perigosamente da rivalização”, alerta Farah no texto, em que destaca ainda que “a democracia exige pluralidade e equilíbrio”.

 Leia abaixo a íntegra do artigo do promotor de Justiça André Farah:

 

“O Ministério Público, os partidos políticos e a desinformação“

Em 6 de janeiro de 2021, seguidores do então presidente dos EUA, alimentados por maciça desinformação, invadiram o Capitólio, no momento da certificação das eleições.

Qualificado como autogolpe por Steven Levitsky, coautor de “Como as Democracias Morrem”, o acontecimento aponta para uma importante lição. Milícias digitais difusoras de desinformação têm forte potencial danoso à democracia.

Com o intuito de proteger o regime democrático, a Câmara dos Deputados aprovou PL que revoga um entulho autoritário da época da ditadura, a Lei de Segurança Nacional – o Senado Federal ainda vai analisar. Em seu lugar, pretende tipificar crimes contra o Estado Democrático de Direito, como a comunicação enganosa em massa.

A redação atual do projeto imputa esse ilícito a quem promover ou financiar, através de expediente não fornecido pelo provedor de aplicação de mensagem privado, campanha ou iniciativa de disseminação de fatos que sabe inverídicos capazes de comprometer o processo eleitoral.

Embora de redação criticável – ao menos, por restringir tal prática ao ambiente de aplicativo de mensagem privado (WhatsApp e outros do gênero) –, um ponto que vale o alerta é o da respectiva ação penal privada subsidiária.

Por tal mecanismo, se permitirá a partidos políticos com representação no Congresso Nacional iniciar um processo criminal, quando houver inércia do Ministério Público. Nesse cenário, dois aspectos merecem realce.

O regime democrático, pela Constituição de 1988, tem no Ministério Público um defensor. Significa um ônus de peso imensurável e que precisa ser bem trabalhado. Isso ficou nas entrelinhas do julgamento do STF que legitimou o inquérito das fake news.

Por outro lado, o partido político com representação no Congresso Nacional possui sensível pedigree democrático. Apesar disso, é inegável a crise de representatividade dos tempos atuais. O debate a respeito de candidaturas avulsas é prova disso.

O problema para esses dois protagonistas é a atual crise da democracia no mundo Ocidental, da qual o Brasil não escapa. A polarização política se aproxima perigosamente da rivalização.

O ingresso do Ministério Público em seara tão árida não pode ser negado, mas sua atuação precisa ser firme, corajosa e equidistante. Sua bandeira não tem cor.

Igualmente, a atuação partidária neste desenho traz um problema de difícil solução.

Partido político, por si, traz a raiz do idealismo. Labutar na seara penal sem ideal partidário deve ser um norte, porque do contrário esse tipo de processo será um potencial barril de pólvoras, podendo se tornar em instrumento de ação e perseguição política.

Assim, se em um regime democrático é exigível uma atuação em cooperação, o formato que o projeto de lei arquiteta pode elevar os ânimos, politizar a justiça criminal e não trazer o resultado que a sociedade deseja. Democracia exige pluralidade e equilíbrio.

André Farah é promotor de Justiça do MPRJ e associado da Amperj. É Mestre em direito público pela UERJ.