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Cláudio Henrique e Felipe Ribeiro no Estadão: mudanças na Lei de Improbidade Administrativa são “jabuticaba legislativa”

Inserido em 18 de junho de 2021
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O presidente da Amperj, Cláudio Henrique da Cruz Viana, e o diretor financeiro da Associação, Felipe Ribeiro, assinam um artigo no site do jornal O Estado de S. Paulo, em que fazem uma análise do impacto negativo da aprovação do projeto que altera a Lei de Improbidade Administrativa (PL 10887/18). Intitulado “Câmara dos Deputados abre fogo contra o Ministério Público”, o texto foi publicado pelo blog do jornalista Fausto Macedo na quinta-feira (17), um dia após a votação da nova redação pela Câmara.

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“O projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados fracassa no seu propósito de aprimorar o sistema de combate à corrupção. Ao criar dificuldades ao poder de quem investiga, aposta na redução drástica do número de apurações de atos de corrupção, como se com isso promovesse a redução da corrupção”, afirmam os autores.

Em outro trecho, o presidente e o diretor financeiro da Amperj apresentam dados do Centro de Apoio Operacional da Cidadania, que mostram que o MPRJ, apenas nos últimos sete anos, ajuizou junto ao Poder Judiciário fluminense 1.520 ações de improbidade administrativa. As iniciativas visam à recomposição de mais de R$ 58 bilhões do patrimônio público, desfalcado por atos de corrupção.

Os autores alertam para o fato de que a mudança na legislação ameaça destruir, por meio da inserção de regras jurídicas de menor destaque, “estruturas investigativas há anos instituídas no âmbito de cada MP brasileiro”. “Estamos, mais uma vez, diante de uma jabuticaba legislativa, a desafiar a mobilização da sociedade em desfavor de uma clara investida contra o Ministério Público”, afirmam.

Confira abaixo a íntegra do artigo:

 

Câmara dos Deputados abre fogo contra o Ministério Público

 

Cláudio Henrique Viana, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e presidente da Amperj

Felipe Ribeiro, promotor de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro, diretor-financeiro da Amperj

 

No pós-Lava Jato, tem sido comum a criação de projetos legislativos com o propósito anunciado de “racionalizar” os mecanismos de controle dos atos de corrupção. Foi assim com o recente anteprojeto do Código de Processo Penal (CPP), que, em última análise, apenas enfraquece os poderes investigatórios do Ministério Público brasileiro.

Na mesma toada, foi aprovado nesta quarta-feira (16) na Câmara de Deputados, sem maiores discussões, o Projeto de Lei n. 10.887/2018, que visa a alterar a Lei Federal 8.429/92, que disciplina o tema da improbidade administrativa.

A importância da matéria pode ser refletida em números. Segundo o Centro de Apoio Operacional da Cidadania, o Ministério Público do Rio de Janeiro, apenas nos últimos sete anos, ajuizou junto ao Poder Judiciário fluminense 1.520 ações de improbidade administrativa, visando à recomposição de mais de R$ 58 bilhões do patrimônio público, desfalcado em razão do cometimento de atos de corrupção. Irregularidades praticadas, em tese, por agentes públicos estaduais e municipais.

O supracitado projeto de lei ameaça destruir, por meio da inserção de regras jurídicas de menor destaque, estruturas investigativas há anos instituídas no âmbito de cada MP brasileiro, e que, como no caso fluminense, atuam de modo incansável no combate à corrupção.  

Aquela que chama maior atenção refere-se ao tempo máximo para a conclusão de investigação pelo MP destinada à apuração da prática de ato de improbidade administrativa: seis meses, renováveis por mais seis, totalizando 12 meses. Não é preciso ser promotor de Justiça ou procurador da República para saber que, a depender do ato de corrupção praticado, não há como se encerrar uma investigação complexa no prazo exíguo do projeto de lei. 

Ouvir testemunhas, aguardar e analisar documentos enviados por órgãos externos, cujos prazos de elaboração o Ministério Público não controla – como Tribunal de Contas, Receita Federal e Unidade de Inteligência Financeira (UIF) –, elaborar pareceres técnicos para quantificar o dano ao erário, investigar estruturas societárias complexas e o tráfego cruzado de recursos financeiros não são tarefas banais. Demandam tempo. Muito tempo, em certos casos. O cumprimento de tal prazo já seria impossível caso o membro do MP presidisse um único inquérito civil. Imagine centenas deles!

Essa regra jurídica assume ares de exotismo quando correlacionada à prescrição definida no mesmo projeto de lei: oito anos. Ou seja, o legislador, ao mesmo tempo em que considera razoável a definição de um prazo de oito anos – a partir do fato – para o exercício da pretensão acusatória, estabelece que a investigação que o precede deve ser concluída em prazo oito vezes menor (um ano). 

É como se o delegado de polícia tivesse que concluir em um ano inquérito instaurado para apurar o crime de homicídio, apesar de o prazo prescricional para o delito ser, segundo o Código Penal, de vinte anos.

Quebra-se, com tal preceito, a lógica do sistema de apuração de atos ilícitos no Direito brasileiro, evidenciada pela necessária proporcionalidade entre o tempo da investigação e o prazo prescricional para o ajuizamento da medida judicial correlata. Quanto mais grave o fato e complexa sua investigação, maior o prazo prescricional e o tempo de sua apuração. 

Da mesma forma, quanto menos grave o ilícito cometido e complexa a investigação, menor o prazo prescricional e o tempo de apuração. 

No caso do malfadado projeto de lei, rompe-se com a tradição para, sob o argumento de aprimorar o sistema de combate à corrupção, obrigar o Ministério Público a investigar condutas graves e complexas como se investigasse furtos de galinhas.

O próprio prazo prescricional de oito anos, aparentemente mais generoso que o anterior, cria maiores condições à impunidade. Enquanto a norma atual estabelece cinco anos a contar da extinção do mandato do gestor público, o projeto de lei fixa a data do fato como marco inicial. Com tal regra, a experiência indica que, possivelmente, grande parte do prazo prescricional já terá transcorrido no momento de se dar início às investigações. 

Isto porque não é incomum o Ministério Público só tomar conhecimento de ato de improbidade anos após a sua prática, frequentemente na sequência da troca de governo, quando o gestor público corrupto já não terá mais o controle e o domínio da máquina pública e dos servidores por ele nomeados em setores estratégicos.

O legislador de 1992 sabia que a fluência de prazo prescricional durante o mandato de um gestor investigado constituía um convite à impunidade; o atual parlamento, apesar da anunciada preocupação com o combate à corrupção, parece desconhecer esse dado de realidade.      

Em suma, o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados fracassa no seu propósito de aprimorar o sistema de combate à corrupção. Ao criar dificuldades ao poder de quem investiga, aposta na redução drástica do número de apurações de atos de corrupção, como se com isso promovesse a redução da corrupção. 

Estamos, mais uma vez, diante de uma jabuticaba legislativa, a desafiar a mobilização da sociedade em desfavor de uma clara investida contra o Ministério Público, instituição que já deu provas de sua vocação na defesa da moralidade e do patrimônio públicos.