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Cláudio Henrique e Felipe Ribeiro publicam artigo no Jota sobre independência funcional no MP

Inserido em 17 de janeiro de 2022
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O presidente da Amperj, Cláudio Henrique da Cruz Viana, e o diretor financeiro, Felipe Ribeiro, publicaram o artigo “Independência funcional no Ministério Público deve ir além da não responsabilização por posicionamentos adotados” no portal jurídico Jota, no sábado (15).

No texto, os autores propõem uma reflexão sobre a independência garantida aos membros do Ministério Público pela Constituinte de 1988 e a construção de uma unidade institucional.

Leia o artigo de Viana e Ribeiro no portal Jota e abaixo.

Independência funcional no Ministério Público deve ir além da não responsabilização por posicionamentos adotados

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, muito já se discutiu a respeito do Ministério Público brasileiro e de como o constituinte reforçou sua importância para garantir a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Há 33 anos, o Ministério Público brasileiro vem sendo pensado e construído por seus membros, servidores e sociedade civil, num processo contínuo de aprimoramento institucional somente possível graças ao tratamento constitucional dado à instituição pela Assembleia Nacional Constituinte de 1988.
Além de investir no seu fortalecimento, sem o qual o Ministério Público dificilmente resistiria aos solavancos próprios da democracia, os constituintes ampliaram também os poderes de cada membro da instituição, assegurando-lhe autonomia e liberdade na atuação funcional.
É nesse contexto que surge o princípio da independência funcional dos membros do Ministério Público. Não bastava empoderar a instituição. Era preciso empoderar também seus membros. Sem isso, imaginou o constituinte, os resultados alcançados não seriam aqueles esperados; de nada serviria fortalecer o Ministério Público e não garantir aos seus integrantes a prerrogativa de atuar segundo à própria consciência, livres de interferências internas e externas.
Conquistado esse fundamental espaço de independência funcional, novos desafios têm despontado no horizonte do Ministério Público. Afinal, o integrante da instituição, sob o manto da independência funcional, pode interpretar o direito com a máxima liberdade? O cidadão, destinatário de seus serviços, pode receber da instituição tratamento jurídico desigual a depender do entendimento de cada membro? Há tantos Ministérios Públicos quanto o número de seus integrantes?
Não há resposta fácil a essas perguntas. Contudo, é chegada a hora de se refletir sobre elas sob pena de, em nome da máxima independência, dar à sociedade respostas ministeriais completamente diferentes – muitas vezes até contraditórias. Valendo-nos das lições do filósofo americano Ronald Dworkin, se o Direito não pode depender daquilo que seu intérprete come no café da manhã, sobretudo quando está em jogo a tutela de direitos fundamentais, pelo mesmo motivo a atividade do Ministério Público também deve evitar oscilar de acordo com a volatilidade dos posicionamentos de seus membros.
Compreender que o Ministério Público não é um fim em si mesmo parece-nos mais do que fundamental. Sua atuação destina-se ao cidadão, e o princípio da independência funcional não pode servir de fundamento para que os serviços prestados pela instituição sejam absolutamente desiguais, sem qualquer compromisso com a ideia de unidade institucional.
Por isso, a uniformização de temas é mais do que necessária; indivíduo e instituição precisam estar integrados, numa tentativa de harmonização de posicionamentos da qual exsurgirá o verdadeiro pensamento ministerial, apto a garantir ao cidadão tratamento minimamente igualitário.
No plano individual, onde prevalece o princípio da independência funcional, deve-se abandonar a ideia de que o Direito é uma “tela em branco”, como se o sentido das normas jurídicas pudesse ser ajustado às próprias inspirações/aspirações pessoais de cada membro. O solipsismo jurídico, prática comum entre aqueles que apenas atribuem verdade ao que deriva das próprias experiências, fragmenta o Direito em infinitas partes – ou, no caso do Ministério Público, em infinitos Ministérios Públicos -, causando espanto naqueles que esperam da ordem jurídica alguma dose de previsibilidade.
Compreender que o Direito é fruto de uma construção coletiva, na qual o indivíduo deve se inserir sem desconsiderar um passado de reflexões, parece-nos essencial para que se possa dar início a uma aproximação entre independência funcional e unidade institucional.
Mas não se pode parar por aí. Nenhum efeito surgirá da reflexão de cada membro do Ministério Público sobre a importância de se prestar ao cidadão serviços menos desiguais se a própria instituição deixar de intervir para a formação de um pensamento ministerial – ou atuar de cima para baixo, sem considerar aquilo que se discute e debate nos órgãos de execução. O princípio da independência funcional autoriza o membro a interpretar o Direito, contudo é o princípio da unidade do Ministério Público que obriga a instituição a organizar esse conhecimento circulante, consolidando, a partir do trabalho de cada membro, seus precedentes.
Valorizar verdadeiramente a independência funcional importa em conferir relevância extrema à produção ministerial individual, identificando pontos de convergência capazes de justificar a formação de precedentes sobre os mais diversos temas. Partindo do indivíduo e de seus posicionamentos, os órgãos da Administração Superior do Ministério Público devem ajudar a consolidar o pensamento institucional, oficializando consensos com maior aptidão para assegurar ao cidadão respostas mais previsíveis e direcionadas à igualdade de tratamento. É deste trabalho permanente de monitoramento que a independência funcional se diluirá na unidade institucional, como partículas unem-se ao todo, fazendo com que o cidadão enxergue com clareza um único Ministério Público.

Cláudio Henrique da Cruz Viana é procurador de Justiça e presidente da Amperj (Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro)

Felipe Ribeiro é promotor de Justiça, diretor da Amperj e mestre em Direito Administrativo pela Faculdade de Direito de Lisboa