Patricia Carvão
A coluna de hoje traz um repertório bem eclético de filmes, misturando drama e comédia.
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O que me levou a indicá-los por aqui, você pode se perguntar… há algum elo entre eles? Talvez sim — e esse elo residiria no fato de trazerem em suas narrativas, de uma certa forma, um pouco da ambivalência de desejos e emoções que nos regula enquanto humanos. É comum nos darmos conta de que, ao mesmo tempo em que desejamos algo, rapidamente podemos nos dar conta de que talvez não seja bem assim. Queremos alguma coisa, mas ao mesmo tempo nem tanto. Amamos e odiamos — nunca somos um só.
“Nada do que é humano me é estranho” é uma frase atribuída ao dramaturgo latino Terêncio. Minha sugestão é que você assista aos filmes pensando nessa frase. Aceita o desafio?
A procuradora de Justiça Patricia Carvão escreve uma coluna quinzenal na newsletter da Amperj, comentando filmes e séries aos quais assiste nos cinemas e plataformas de streaming. Conheça suas sugestões para o fim de semana!
AMANDA (2018)
Um filme francês lindo, que vale muito a pena assistir. Lindo por vários motivos, que começam pela atriz mirim que interpreta a personagem Amanda. Um show de talento.
A menina vivia uma vida feliz com a mãe, Sandrine, que acaba sendo vítima de um ataque terrorista em Paris, o que faz com que Amanda vá residir com seu tio David, ainda um rapaz com todos os questionamentos pertinentes a sua idade.
Apesar do pano de fundo triste (a perda da mãe por uma criança pequena), a história não foca tanto nessa questão, mas sim na complexidade de sentimentos que envolvem a construção do relacionamento do Tio para com a sobrinha. A dificuldade em dar conta de si próprio, dos medos e das próprias dúvidas e angústias… como conciliar todas essas questões com o surgimento repentino do dever de cuidado e proteção de alguém ainda tão frágil?
Essa é a maior delicadeza do filme, que emociona e faz com que a gente torça muito por Amanda e por seu tio David.
Como é difícil cuidar de alguém! Não há receita pronta, nem livro de autoajuda que possa dar conta dessa tarefa. Amar muitas vezes pode significar, como dizia Lacan, “dar o que não se tem”.
Disponível na Claro TV (antigo Now/Net), Vivo Play, Google Play, Reserva Imovision e YouTube Movies.
UM AMOR À ALTURA (2016)
Diane perde seu celular e Alexandre encontra o aparelho. Os dois marcam um encontro para que seja feita a devolução do objeto. Quando Diane finalmente conhece Alexandre, ela percebe que o rapaz, apesar de encantador, é MUITO mais baixo que ela.
O caminhar do filme vai mostrando, então, como Diane lida com essa questão e com o preconceito alheio. Afinal, a figura masculina é rodeada de uma série de estereótipos que precisam ser preenchidos… não é verdade?
Alexandre é uma figura simpática, um cara bacana, mas Diane está bem dividida. Ela o quer ou não? E agora? Será que Diane vai desconstruir seu preconceito e se entregar a essa figura masculina “fora do padrão”?
Afinal, quem faz esse padrão e para quem ele serve?
Disponível na Prime Video e na PLUTO TV (com anúncios).
GENTE DE BEM (2018)
Insatisfeito com sua vida e seu trabalho, Anders — um homem de meia idade —, resolve se divorciar, confiando que esta seria de fato a melhor solução para todos os seus problemas.
Ocorre, porém, que isso não acontece tão rápido como ele pensava….
O filme mostra como é recomeçar, buscar novos caminhos, depois de tanto tempo envolvido — seja em um relacionamento, seja em um trabalho. Demonstra que a mudança é, na verdade, um processo interno que pode levar algum tempo até vir a se consolidar.
O relacionamento com o filho adolescente e com um amigo de seu filho também ajudará Anders a reconstruir-se e a melhor entender o que de fato estava buscando. De fato, poder acompanhar o desenvolvimento de alguém próximo faz com que possamos nos voltar para nós mesmos e dar novos significados para nossas próprias histórias.
Com a correria do cotidiano, muitas vezes as situações vão se sucedendo — tudo acontece sem que dê tempo sequer de se entender ao certo o que alguns acontecimentos significaram para cada um de nós. O que fazer com isso tudo? Onde se quer chegar?
O filme mostra que será a partir desse momento, no qual Anders passa a conhecer melhor a si mesmo, que ele estará pronto para o novo começo de vida tão almejado.
Disponível na Netflix.
IDENTIDADE (2021)
O filme traz a história de duas amigas de infância, que se reencontram muitos anos depois: Irene e Clare.
Irene é uma mulher negra, que vive com o marido (também negro) e os dois filhos no bairro do Harlem, em Nova York. A família experimenta em sua rotina todas as agruras do racismo vigente na sociedade americana à época. Irene tem uma postura mais resignada e evita debater na frente dos filhos episódios racistas.
Preste atenção em uma cena do filme na qual o marido de Irene inicia uma conversa com as crianças sobre um homem negro que fora espancado, sendo atravessado pela fala da esposa, que oferece um chocolate quente aos meninos…
Já Clare, por ter o tom de pele um pouco mais claro, nega o fato de ser negra e usufrui de todos os privilégios de sua suposta branquitude. É casada com um homem branco, extremamente racista, com quem divide uma vida falsa, na qual finge não se incomodar com as falas violentas e preconceituosas do marido.
A chegada de Clare e o seu estilo diferente de vida traz mudanças na rotina de Irene, que se questiona sobre a própria identidade — talvez tenha ensejado o título do filme…
Um longa-metragem interessante, cujo mérito é falar sobre a questão racial sob outro enfoque — a saber, a forma pela qual o racismo pode afetar a auto-percepção do indivíduo.
Disponível na Netflix.
TRIÂNGULO DA TRISTEZA (2022)
Gostei mais deste filme do que do anterior do mesmo diretor, Ruben Östlund, chamado “The Square”.
Um grupo de pessoas muito ricas embarca em um iate de luxo, onde recebem um tratamento cheio de deferências e mimos. Durante a viagem, a hipocrisia, a desigualdade social e as mazelas inerentes ao ser humano já começam a se manifestar — e uma série de situações imprevisíveis começam a ocorrer.
A certa altura, alguns desses milionários viajantes vão parar em uma ilha deserta junto com funcionários da mesma embarcação. O convívio daquelas pessoas tão diferentes entre si, em circunstâncias nas quais o dinheiro não tem qualquer importância — elas precisam apenas sobreviver —, traz novamente questões complexas sobre a natureza humana.
Disponível na Prime Vídeo, Claro TV (Now/Net), Apple TV, Google Play e YouTube Movies.
Bom final de semana! Até a próxima coluna.