Por Patricia Carvão
Penso que a principal dica de cinema desta semana é o filme já definido pelo Brasil como nosso representante no Oscar 2025 em várias categorias. “Ainda estou aqui” chegou nesta quinta-feira (8) aos cinemas. Não consegui ainda assistir, mas neste final de semana com previsão de dias nublados e chuvosos é uma excelente opção. Mas seguem outras sugestões abaixo!
A procuradora de Justiça Patricia Carvão escreve uma coluna quinzenal na newsletter da Amperj, comentando filmes e séries aos quais assiste nos cinemas e plataformas de streaming. Conheça suas sugestões para o fim de semana!
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O BASTARDO – Comento por aqui um filme que assisti recentemente do ator dinamarquês Mads Mikkelsen, que achei excelente. Chama-se “O Bastardo”, um drama histórico que nos traz um relato de obstinação e resiliência protagonizado por Ludvig Kahlen (interpretado por Mads Mikkelsen), um soldado e explorador dinamarquês do século XVIII. Ele se empenha em plantar e tornar habitável uma região da Dinamarca conhecida como Jutlândia, onde muitos já haviam tentado se estabelecer sem sucesso, face aos imensos desafios apresentados pelo local e pela potência da natureza.
A narrativa traz à tona todos os conflitos, adversidades e provocações experimentadas por Kahlen na empreitada à qual ele se propôs, que somente poderiam ser enfrentadas por alguém com muita determinação, sagacidade e equilíbrio. O sentimento surgido por Ann Barbara faz aflorar a humanidade de Kahlen e nos traz uma história forte, permeada pelas ambivalências daquele homem tão forte, tão determinado, mas acima de tudo humano.
Assisti no Telecine.
O ator Mads Mikkelsen já nos trouxe interpretações inesquecíveis em filmes como “A Caça” (Prime Video) e “Druk – Mais Uma Rodada” (Netflix), que já comentei por aqui. Recomendo!
A GRANDE FUGA
Você assistiu ao filme “O Último Ônibus” (disponível na plataforma À La Carte)? Nele, um senhor viúvo usa seu passe de ônibus gratuito para viajar para o outro lado do Reino Unido, onde ele e sua esposa moravam, carregando as cinzas dela em uma pequena mala. Me lembrei dele quando assisti “A Grande Fuga”. Este filme é baseado na história real de Bernard Jordan, um veterano da Segunda Guerra Mundial que, aos 89 anos, fugiu de sua casa de repouso no Reino Unido para participar da celebração do 70º aniversário do Dia D na Normandia.
Esse é um filme marcante, pois é o último trabalho da dupla de atores Michael Caine e Glenda Jackson. Ela faleceu após completar as filmagens. Ele, por sua vez, decidiu encerrar de vez a carreira e se aposentar. O filme é bonito e traz uma mensagem de que a vida pode ser desfrutada enquanto estamos por aqui. Acima de tudo, o filme fala sobre amor e sobre a sua transformação com o passar do tempo.
Assisti no Prime Video.
A SUBSTÂNCIA
O filme já chegou à plataforma de streaming Mubi. Acredito que rapidamente estará disponível em outras plataformas também. Já li muita coisa sobre o longa. Sem dúvida, é uma crítica severa aos padrões de beleza impostos às mulheres que acabam por ser massificados pelas mídias e incorporados como se fossem padrões de aceitação e validação social.
Vou um pouco além desse olhar, porque busco compreender quem está do outro lado e acaba se tornando vítima ou refém desses padrões, sejam eles estéticos, comportamentais ou relacionais. Indivíduos que — como esponjas — acabam por absorver todo um conteúdo duvidoso, falso e/ou perigoso.
No filme, Elisabeth Sparkle (Demi Moore) interpreta uma espécie de Jane Fonda dos anos 1980. Tem um programa de ginástica assistido por um público fiel. Mas não é mais tão jovem quanto era quando do início de sua caminhada. Agora, ela se olha no espelho e vê um corpo ainda belo, mas envelhecido, o que lhe traz desconforto.
O trabalho é a sua vida. Ela não parece ter qualquer laço social com outras pessoas que não sejam aquelas com quem divide a sua rotina de trabalho. Quando chega em sua casa (enorme, quase sem mobílias) ela se depara com a sua própria solidão. O maior adorno da casa é um quadro de si mesma, em tamanho desproporcional, mostrando um narcisismo em excesso.
Eis que ela escuta, de forma inadvertida, uma conversa do diretor de televisão do seu programa, afirmando que ele deseja substituí-la por uma pessoa mais nova. Ela será demitida. Pronto! Aqui se dá o encontro da sua própria vulnerabilidade, com um discurso de alguém que se movimenta em função de valores distorcidos e capitalistas vazios, mas que por conta de sua fragilidade, Elisabeth assimila como fundamentais à sua própria existência.
É nesse terreno fértil que ela descobre a tal substância, que dá nome ao filme, e que promete entregá-la uma melhor versão de si mesma (mas essa versão seria melhor para quem, afinal?). A partir daí, a mesma personagem (Elisabeth) vai se alternar em cena com Sue (Margaret Qualley),um alter ego seu mais jovem. Enquanto uma existe, a outra precisa ficar dormindo, escondida, já que elas não podem coexistir.
A narrativa evolui e mostra que somos humanos, e a formação de nossa identidade é algo que nos é muito caro, construído ao longo do tempo, que vai nos preparando para os desafios da vida que serão experimentados. Não nascemos prontos e aprendemos com nossos erros e cicatrizes. Um processo doloroso e nada simples de construção, mas o único possível. O final é escatológico, sim, e consegue chocar com cenas bem fortes. Tudo proposital para trazer o desconforto que um bom trabalho artístico é capaz de fazer surgir.
Assisti no Mubi.
Seguimos em frente, buscando nos inspirar, refletir e aprender com as narrativas que os filmes em cartaz nos cinemas e disponíveis nas plataformas de streaming possam nos oferecer. Afinal, como já nos dizia Ferreira Gullar, “a arte existe porque a vida não basta”.
Bom final de semana. Caso seja possível, não deixe de assistir “Ainda estou aqui” para trocarmos impressões.
Em tempo: as indicações sobre as plataformas de streaming nas quais os filmes podem ser localizados é apenas exemplificativa!