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Fideicomisso – Destino dos bens fideicomitidos em caso de renúncia

Inserido em 7 de maio de 2021
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Carta aos Amigos

 

CCLXXIX

 

Fideicomisso

Destino dos bens fideicomitidos

em caso de renúncia

Everardo Moreira Lima

Rio de Janeiro, 03.05.2021

 

Fideicomisso, do latim do latim fideicomissum, é forma de substituição testamentária mediante a qual o testador, fideicomitente, dispõe que bem de sua herança, por ocasião de sua morte, se transmita a um dos seus herdeiros ou legatários, o fiduciário, mas, por morte deste, ou a certo tempo ou sob certa condição, se transmita a outro herdeiro ou legatário, o fideicomissário, que o receberá livre de ônus ou gravame.

Pode o testador indicar outra pessoa para substituir o herdeiro ou legatário indicado inicialmente para ser o fiduciário, caso este não aceite ou renuncie ao bem fideicomitido.

Renúncia ­- na esplêndida definição do Dicionário Jurídico, da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, da qual sou modesto membro – é ato de vontade, personalíssimo e inquestionável, de desistir alguém de alguma coisa ou de algum direito. Cognatos: renunciar (v.), renunciação (s.f.) ou renunciamento (s.m.); significados: a) renunciante, aquele que renuncia; b)  renunciatário, aquele em favor de quem se renuncia; c) renunciatório, ato ou efeito de renunciar.

A substituição fideicomissária somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador. Contudo, se, ao tempo de sua morte, já houver nascido o fideicomissário, adquirirá ele a propriedade do bem fideicomitido, convertendo-se em usufruto o direito do fiduciário.

Embora o fiduciário tenha a propriedade do bem fideicomitido, ela é restrita e resolúvel, ficando ele obrigado a prestar caução de restituí-lo, se assim o exigir o fideicomissário.

Se o fideicomissário renunciar à herança fideicomitida, caduca o fideicomisso e o bem deixa de ser resolúvel, e se consolidará na propriedade do fiduciário.

O fideicomisso se distingue do usufruto em que neste há dois titulares simultâneos: o proprietário e o usufrutuário, o primeiro tem o domínio do imóvel e o outro, o direito de dele desfrutar por toda a sua vida, finda a qual se integra a nua propriedade no direito do proprietário.

O Código Civil atual dispôs, assim inovando, que a substituição fideicomissária somente é permissível em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador.

 

Carta aos Amigos

 

CCLXXIX

 

Fideicomisso

Anexo I

 

Everardo Moreira Lima

03.05.2021

 

Manuel Comequieto, perituro, idoso, lúcido, sem herdeiros, proprietário do imóvel em que reside na Praia de Ipanema, instituiu, por testamento público, fideicomisso do referido bem, nomeando fiduciário dele seu amigo Fulano de Tal, que deverá transmiti-lo ao nascituro da ora dele grávida Maria Airada, tão logo o menor fideicomissário complete 2 anos de idade.

Com a morte do testador e fideicomitente, deu-se a abertura de seu inventário e, incontinenti, o fiduciário Fulano de Tal renunciou o legado sob o argumento de que se tratava de presente de grego. De tudo ciente, a União Federal, enfiteuticadora do imóvel acrescido de marinha, ante a morte do enfiteuta, a inexistência de herdeiros e a renúncia do legatário, reivindica o seu domínio útil e reintegração na posse e propriedade, uma vez que já detém o senhorio direto.

Contudo, ingressam nos autos os avós do fideicomissário, pais da Maria Airada, que falecera durante os trabalhos da parturição, os quais, na qualidade de representantes do neto, já agora nato e saudável, requerem que lhe seja transmitido o imóvel aforado, bem como a remição do seu domínio direto, na forma do art. 49, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que será pago por eles em favor do neto, sob sua guarda, pois têm o propósito declarado de passar os últimos dias de vida na casa da Praia de Ipanema.

Ofereça seu parecer, na condição de membro do Ministério Público.

Carta aos Amigos

 

CCLXXIX

 

Fideicomisso

Anexo II

Everardo Moreira Lima

03.05.2021

 

Manoel dos Anzóis Carapuça, viúvo, com descendentes, seus herdeiros, deixou em testamento bem imóvel para o seu secretário, em fideicomisso pelo prazo de 20 anos, a partir do dia de sua morte, dele fideicomitente, findo o qual, prazo, o imóvel será transmitido ao filho ainda não nascido do motorista, que também lhe tem servido, bem e fielmente, por longos anos.

Sucede que 5 anos após a morte do testador fideicomitente, o ex-secretário, fiduciário e seu ex-motorista (pai do fideicomissário, já então nascido), se desentenderam por alegadas ofensas à honra, trocaram tiros e se mataram no duelo.

Nos autos do inventário, os herdeiros do testador reclamam a devolução do bem fideicomitido ao espólio, uma vez que está frustrada a substituição, pela ocorrência da morte do fiduciário e do fideicomissário. Os herdeiros do fideicomissário, entretanto, sustentam que a propriedade, por morte do fiduciário a ele fideicomissário se teria transmitido, e consequentemente aos seus herdeiros. Por outro lado, os herdeiros do fiduciário reivindicam o imóvel, uma vez que com a morte do fideicomissário a propriedade se consolidou com o fiduciário e a eles se transmitiu.

O juiz entendeu, entretanto, que a hipótese não é de sucessão mas de substituição (ratione personae), a qual, uma vez inviabilizada pela morte dos titulares, perdeu sua razão de ser e, extinto o gravame, deve o imóvel ser devolvido ao espólio do testador, para fins de sucessão.

Opinar no recurso, como membro do Ministério Público.

 

Carta aos Amigos

 

CCLXXIX

 

Fideicomisso

Anexo III

Everardo Moreira Lima

Rio de Janeiro, 03.05.2021

 

Pleistoceno da Silva, já idoso, viúvo, mas com descendentes, decide fazer testamento para contemplar, na transmissão de sua herança, outras pessoas queridas, que não só seus herdeiros, e, assim, dispôs, perante a autoridade competente, que o seu legatário Pedro Álvares Cabral recebesse, em fideicomisso, determinado bem imóvel, a fim de transmiti-lo ao primeiro filho de seu jovem motorista, Joaquim da Silva Xavier.

Alguns anos mais tarde, entretanto, o motorista apresentou, nos autos do inventário e testamento, certidão do nascimento de sua filha Maria com a mulher com quem vive em estado de casado, e pleiteia a transmissão a ela do bem fideicomitido. Ocorre, todavia, que, simultaneamente, outra jovem senhora, dizendo-se ex-amante do motorista, apresenta certidão de nascimento do menino de nome Mário, como filho dela com ele, requerendo exame da paternidade, pois, embora nascido depois da menina Maria, ele é filho, homem, indicado como tal pelo fideicomitente. Enquanto a mãe de Mário sustenta que a referência a filho na disposição testamentária é decisiva, não admite contestação, volta aos autos a mãe de Maria para afirmar que a referência a filho é geral, quer dizer qualquer que fosse o gênero masculino ou feminino do primeiro filho. A preterição de Maria a pretexto de ser menina seria injusta e odiosa manifestação de preconceito contra a mulher.

Opinar como membro do Ministério Público.