A procuradora de Justiça Patrícia Carvão, grande fã de cinema, escolheu três títulos disponíveis nos principais streamings para o fim de semana. A coluna “Dicas Cinematográficas de Patrícia Carvão” é quinzenal na newsletter da Amperj, sempre postada às sextas-feiras. Curta as sugestões da cinéfila.

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CAFARNAUM

O que falar do filme libanês “Cafarnaum”?

Impactada desde o dia em que o assisti, penso que ele deveria ser visto por todos aqueles que trabalham com pessoas. Principalmente com pessoas em situação de vulnerabilidade e de extrema pobreza.

Como vejo o mundo através da ótica do Direito, minha formação profissional, pude observar ali uma série de questões que nos fazem refletir sobre quem são os sujeitos das normas jurídicas que estudamos, aprendemos e aplicamos. Há uma série de questões inerentes ao mundo jurídico, que poderiam dar ensejo a páginas de análise e debate.

A primeira delas seria a do sub-registro civil de nascimento. Existem milhares de pessoas que simplesmente não existem para o mundo jurídico, pois não são registradas. Crianças que não podem estudar porque não foram registradas por seus pais. Crianças que não podem receber tratamento médico, como mostra o filme, pois não possuem um simples documento de identidade. O sub-registro é um fenômeno muito maior do que qualquer um de nós possa imaginar e apaga do mundo pessoas com necessidades reais e concretas. 

O filme traz ainda o drama da pobreza extrema vivenciada por tantas famílias, privadas de condições mínimas de moradia e alimentação, bem como dos mais essenciais direitos fundamentais. Crianças sem infância, com futuro já quase certo de ingresso no mundo da criminalidade por absoluta falta de opção. 

Desespero. Fome. Violência. 

O filme ainda traz a questão prisional. A mãe que é presa por estar em situação ilegal no país, cujo filho acaba ficando em situação de completo abandono, sob o cuidado de outra criança,  Zain, que mal tem como dar conta de si própria. Abandono que terá consequências definitivas, tanto para a mãe como para o filho.

“Cafarnaum” ainda joga luz sobre a questão da menoridade penal, pois o protagonista do filme, Zain, com 12 anos de idade, acaba ingressando ele mesmo no sistema prisional após a prática de um delito. Quem seria capaz de julgar Zain?

O filme é um soco no estômago. Mesmo tendo conhecimento sobre as mazelas sociais, vê-las no filme retratadas de maneira tão concreta, geram um aperto no peito, que somente um roteiro bem feito nas mãos de uma diretora competente é capaz de  despertar.

Assista ao filme preparado para lidar com muitas emoções… e com muito desconforto também. 

Disponível em várias plataformas de streaming.

Ficha

Cafarnaum (Cafarnaum)

Diretora: Nadine Labaki

Elenco: Zain Alrafeea e Nadine Labaki

Produção de 2019

A FELICIDADE DAS PEQUENAS COISAS

Há tempos eu já queria ter assistido a esse filme, indicado ao Oscar 2022 pelo Butão, na categoria melhor filme estrangeiro.

Uma coisa linda, de uma delicadeza e de uma sensibilidade que mexeram muito comigo.

Ugyen é um jovem que está terminando a formação como professor, mas não encontra nenhum propósito na  sua profissão, nem em sua própria vida.  Seu único objetivo é ir para Sydney, na Austrália, onde pretender trabalhar como cantor.

Subitamente ele é transferido para trabalhar em uma escola situada em um dos lugares mais remotos do país, numa aldeia muito precária.

O filme vai, então, retratar a adaptação de Ugyen ao local e como a convivência com as crianças da aldeia e com os moradores do local o ajudarão a entender um pouco mais sobre si próprio, sobre suas buscas. 

Mais eu não poderia falar para não dar spoiler.

Digo apenas que fazer a diferença na vida de alguém,  seja por um gesto, seja por uma palavra, seja por uma atitude, é uma das coisas mais especiais e significativas que é possível fazer nessa vida, pelo outro e por nós mesmos.

Não deixe de assistir!

Está disponível em vários canais de streaming: @belasartesalacarte, @globoplay, Claro TV e muitos outros.

Ficha

A  Felicidade das Pequenas Coisas (Lunana: a Yak in the Classroom)

Diretor: Pawo Choyning Dorji

Elenco: Sherab Dorji e Ugyen Lhendup

Produção de 2019

A DELICADEZA DO AMOR

Há tempos eu não assistia a um filme tão bonito como “A Delicadeza do Amor” (Prime Video), produção francesa de 2011.

O que faz surgir o amor? Além de uma série de reações bioquímicas e muitas informações trazidas pela psicologia evolucionista, que tenta explicar alguns comportamentos ou características que ocorrem universalmente em todas as culturas como prováveis adaptações evolutivas, que poderiam nos trazer pistas sobre padrões de atração e desejo, penso que a suavidade e a delicadeza do outro, sem sombra de dúvida, podem ser importantes fatores de aproximação também.

O filme fala um pouco sobre a relação surgida entre Nathalie (Audrey Tautou) e Markus (François Damien), colegas de trabalho.

Nathalie atravessa um momento difícil em sua vida e encontra em Markus alguém que a acolhe, que a compreende e que sabe esperar o tempo certo para que o amor possa acontecer. Ele não a vê como um mero objeto desejável e, aos poucos, eles começam a se conhecer melhor e a constatar quantas coisas em comum têm entre si. A delicadeza e a gentileza de Markus são características que não passam despercebidas.

Há um momento do filme em que Markus fala que ama Nathalie porque ela o permite ser a melhor versão de si próprio.

Nos tempos atuais em que menos é mais e a descartabilidade e precariedade dos relacionamentos passa quase a ser a regra geral, o filme nos transporta para um lugar onde valores que parecem ter sido esquecidos por nossa sociedade ainda existem, com toda a sua potência.

Gentileza gera gentileza, já dizia José Datrino, mais conhecido como o Profeta Gentileza, com sua arte que ainda nos inspira, espalhada por alguns locais da cidade.

Gentileza pode também gerar amor.

Ficha

A Delicadeza do Amor (La Dèlicatesse)

Diretores: David Foenkinos e Stéphane Foenkinos

Elenco: Audrey Tautou e François Damien

Produção de 2011