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O Ministério Público como Rede de Apoio das Crianças Filhas de Presas: Como Aproximar os Artigos 127 e 227 da Constituição Federal.

Inserido em 9 de outubro de 2019
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Síntese dogmática:

O Código de Processo Penal estabelece no artigo 318, incisos IV, V, e VI hipóteses para a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, em atenção aos direitos da criança filha de presa mulher ou homem, no caso de único responsável pelos cuidados de criança. A previsão normativa foi incluída pela Lei n. 13.257, de 8 de março de 2016, conhecida como Marco Legal da Primeira Infância.

Não obstante a previsão legal, houve a necessidade de impetração de remédio processual coletivo perante o Supremo Tribunal Federal com vistas à efetivação dos direitos das mulheres presas e de sua prole (Habeas Corpus n. 143.641/São Paulo), considerando que, em aproximadamente metade dos pedidos de substituição da prisão, houve o indeferimento.

No entanto, percebe-se, ainda, relutância de parte dos operadores do Sistema de Justiça, incluindo-se de membros do Ministério Público, em garantir a aplicação do permissivo legal, mediante justificativas variadas para a manutenção da prisão no cárcere.

Além de assegurar a correta aplicação da lei, conjugando-se a lente da busca da responsabilização criminal com aquela que promove integralmente os direitos das crianças, deve o Ministério Público viabilizar rede de proteção e intersetorialidade institucional em prol das crianças, em especial das que se encontram na primeira infância.

Justificativa:

A proteção legal das crianças e adolescentes vem se aprimorando no decorrer da história. Hodiernamente, diante do dinamismo das relações sociais e de estudos científicos de diversas áreas do conhecimento conduzidos pelas mais prestigiosas instituições universitárias do mundo, passou-se a perceber a necessidade de enfoque mais apurado para a fase inicial da vida. E, nesse caminho, foi publicado o Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257, de 8 de março de 2016), consubstanciando direitos mais específicos para essa sensível faixa etária.

Estabeleceu-se que a primeira infância é o período que abrange os primeiros seis anos completos, ou os 72 primeiros meses da vida de uma criança. Essa fase é marcada por vários processos de desenvolvimento, que são influenciados pelo meio ambiente no qual a criança está inserida, pelos estímulos que recebe e pela qualidade dos vínculos afetivos que vivencia. Justamente por isso, o começo da vida deve receber proteção especial[1] da família, do Estado e da sociedade.

Segundo estudo feito pelo Prêmio Nobel de Economia James Heckman, a cada um dólar investido nessa inicial fase da vida, sete dólares retornam com resultado positivo no longo prazo. O estudo indica que todas as famílias estão sob pressão crescente; sendo que as famílias carentes são pressionadas até o limite. Sem dúvida, tais famílias dispõem de recursos escassos para o investimento eficaz na primeira infância. Sem recursos, muitas crianças em risco não têm o desenvolvimento adequado para se tornar um cidadão produtivo para a sociedade. “Elas sofrem pelo resto de suas vidas – e todos nós pagamos o preço de maiores custos sociais e diminuição da prosperidade econômica.”[2]

Vale destacar que, se comparado com o investimento em outras fases da vida, como na escola durante a adolescência ou na formação para o trabalho na juventude, o investimento no início da vida, de fato, apresenta melhores índices de retorno. Quanto mais cedo esse investimento existir, mais otimista será o cenário futuro da sociedade, em razão do que se criou e garantiu nos primeiros anos do indivíduo. Além do retorno econômico, o investimento na primeira infância é uma forma eficiente de reduzir as desigualdades sociais e a pobreza, bem como de construir uma sociedade mais sustentável[3].

Nessa esteira de conhecimentos científicos acerca do começo da vida, o Marco Legal da Primeira Infância trouxe modificação para o Código de Processo Penal (CPP) inserindo no artigo 318 a previsão de que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for gestante; mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos. Frise-se que desde 2011 já era prevista a possibilidade de prisão domiciliar ao agente imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência.[4]

Para entender os fundamentos que alicerçam a ideia da prisão domiciliar de mães e gestantes, devemos nos socorrer de saberes advindos de outras áreas do conhecimento. Nesse sentido, a colega do Ministério Público do Rio de Janeiro, Cláudia Türner, ensina que, antes de partir para a etapa da argumentação, os juristas que se propõem a resolver questões complexas de direitos fundamentais envolvendo crianças, devem buscar nesse processo entender o debate atual de outras disciplinas, sobretudo a sociologia, a antropologia, a pedagogia e a psicologia. Assim, conclui: “muitos dedicaram suas vidas observando as crianças e pensando sobre elas. Nós temos que ouvir o que eles disseram e dizem, a fim de compreender como o seu discurso se relaciona com o direito”[5].

Também nesta linha, Yuval Noah Harari, em seu aclamado livro “Sapiens: uma breve história da humanidade”, ao criticar os sistemas jurídico e político acerca da desconsideração das descobertas científicas questiona “por quanto tempo poderemos manter o muro que separa o departamento de biologia dos departamentos de direito e ciência política?”[6].

Logo, começo afirmando que a motivação para tal permissivo legal se assenta no fato de que uma criança necessita de cuidados dedicados, afetuosos e individualizados para o seu pleno desenvolvimento físico, motor, cognitivo e emocional. E a mãe é, por natureza, a primeira cuidadora de sua prole, podendo ser auxiliada ou substituída por outras pessoas.

Os principais cuidadores das crianças estão na família, primeira rede de proteção que congrega, além dos pais, os avós, irmãos, tios, vizinhos ou amigos. Neste “processo de proteção e promoção do crescimento e desenvolvimento infantil, é imprescindível reconhecer a importância da segurança emocional da criança e dos pais, resultantes de vínculos bem estabelecidos”[7].

Nesse contexto, trago à cena alguns ensinamentos do renomado pediatra e psicanalista inglês D. W. Winnicott acerca da profundidade da relação mãe e bebê em sua obra “Os bebês e suas mães”:

A mãe tem um tipo de identificação extremamente sofisticada com o bebê, na qual ela se sente muito identificada com ele, embora, naturalmente, permaneça adulta. (…) Do ponto de vista do bebê, nada existe além dele próprio, e portanto a mãe é inicialmente, parte dele. Em outras palavras, há algo aqui, que as pessoas chamam de identificação primária[8].

Onde o ambiente de facilitação – que deve ser humano e pessoal – possuir características suficientemente boas, as tendências hereditárias de crescimento que o bebê tem podem, então alcançar seus primeiros resultados favoráveis.[9]

A saúde mental do indivíduo está sendo construída desde o início pela mãe, que oferece o que chamei de ambiente facilitador, isto é, um ambiente em que os processos evolutivos e as interações naturais do bebê com o meio podem desenvolver-se de acordo com o padrão hereditário do indivíduo. A mãe está assentando, sem que o saiba, as bases da saúde mental o indivíduo[10].

Mesmo sem os conhecimentos da neurociência à época, Winnicott concluiu que “infelizmente, é uma grande verdade que, se uma criança não começar bem, então não poderá desfrutar do legado cultural e a beleza do mundo não passará de um colorido torturante, impossível de desfrutar. Assim, portanto, existem ‘os que têm’ e ‘os que não têm’, e isso nada tem a ver com finanças; tem a ver com aqueles que começaram muito bem suas vidas, e com aqueles que não tiveram a mesma sorte”.[11]

Um dos grandes desafios para o desenvolvimento sustentável de uma nação é a redução da desigualdade extrema que resulta em iniquidades sociais. Desse modo, toma relevo “a importância da superação das iniquidades, determinadas principalmente por condições socioeconômicas desfavoráveis, que fazem com que um grupo específico de crianças brasileiras tenha condições piores de saúde”.[12]

Sabemos com o auxílio de estudos científicos que melhores condições de saúde perpassam pelo cuidado cotidiano das crianças que estão na primeira infância. Para que cresçam e se desenvolvam fisicamente, cognitivamente e emocionalmente seguras, as crianças necessitam de interações positivas e cuidados adequados de rede de proteção comprometida com seu bem-estar. “As experiências do início da vida são de extrema importância para o ser humano e diretamente influenciadas pela qualidade das relações socioafetivas, principalmente pelas interações estabelecidas com os seus cuidadores”[13].

No universo do aprisionamento feminino, surge a questão da maternidade e de como poderemos garantir a preservação dos cuidados da criança com a necessidade de responsabilização criminal de sua mãe?

Não pretendo esmiuçar aqui os argumentos expostos no Habeas Corpus Coletivo 143.641 São Paulo, cujo acórdão pode ser acessado com facilidade na internet[14]. Mas ali foram sublinhados alguns aspectos importantes que merecem ser trazidos à luz para a compreensão do dever constitucional do Promotor de Justiça na aplicação escorreita do permissivo legal constante do CPP.

É fato que o ambiente prisional é insalubre e que muitas doenças têm taxas muito maiores de ocorrência dentro de presídios, como, por exemplo, a tuberculose. Em estudo realizado pela FIOCRUZ, concluiu-se que a incidência da tuberculose no sistema prisional do Rio de Janeiro consegue ser ainda muito maior do que a média nacional. A pesquisadora intitula o sistema carcerário do Rio de Janeiro como um “celeiro de contaminação”[15].

Em consequência, a manutenção da grávida ou da criança com a mãe no cárcere ou a separação destas, prejudica severamente o desenvolvimento das crianças, posto que serão expostas ao estresse tóxico que impacta negativamente o desenvolvimento cerebral sadio. Estudos indicam que o estresse tóxico aumenta o risco de doenças físicas e mentais levando a efeitos danosos no aprendizado, comportamento e saúde para toda a vida do indivíduo.[16]

Trago também o princípio constitucional da intranscendência da pena (artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal de 1988) e o direito expresso no inciso L do mesmo rol do artigo 5º de que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” que foram referidos no remédio constitucional coletivo.

Portanto, a solução juridicamente encontrada foi a de assegurar a prisão domiciliar para as gestantes e mães de crianças, possibilitando a sua responsabilização criminal e o alijamento da criança do cárcere, eis que “prisões não foram pensadas para crianças e não é desejável que nenhuma criança passe um dia sequer no ambiente prisional ou longe de suas mães”[17].

No tocante ao encarceramento feminino, preciso mencionar estatísticas e dados do Brasil e, em especial, do Estado do Rio de Janeiro, informações estas extraídas do estudo conduzido pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas.[18]

Neste estudo, concluiu-se que a maior parte das mulheres presas nos dias de hoje tem como causalidade a prática do crime de tráfico de drogas, correspondendo a 62% das presas. Importante mencionar que o aumento do encarceramento feminino começou a ocorrer desde fins da década de 1990: “entre os anos de 2000 a 2016, houve um crescimento de mais de 567% desse grupo nas penitenciárias, relevando que nesses dezesseis anos, houve uma explosão da população carcerária feminina de 5.600 para 42.355 mulheres”.

A razão para a inserção das mulheres em atividades relacionadas ao mercado de drogas ilícitas deve ser analisada frente ao incremento dos níveis de pobreza e do desenvolvimento acelerado da economia informal, nos termos do estudo citado. Assim, 65% das presas no estado do Rio de Janeiro são negras (65%), com ensino fundamental incompleto (58%) e estado civil solteira (86%). Tais números devem ser levados em conta na análise dos direitos em tela.

Isso, porque para as mulheres vindas das classes média e alta, o trabalho é um projeto individual, dentro do contexto da história familiar, podendo ser definido como atividade voltada à satisfação pessoal e ao crescimento individual para a obtenção da independência econômica e identitária. “Já as mães da camada popular fizeram vários relatos que situavam o trabalho como uma necessidade para a obtenção ou complemento da renda familiar, visando o benefício da família”[19].

Dessa forma, vemos o incremento do número de prisões de mulheres pela prática do crime de tráfico de drogas como resultado da necessidade econômica enfrentada pelo universo feminino. A constatação se dá pelo aumento espantoso do número de famílias chefiadas por mulheres, que mais que dobrou em 15 anos, sendo que a maior parte dos lares chefiados por mulheres são daquelas que vivem sozinhas com seus filhos (quantitativo aproximado de 11,66 milhões de pessoas).[20]

Nesse cenário, compreendo imperiosa a aplicação do permissivo legal que concede a prisão domiciliar para presas mães de crianças ou gestantes para possibilitar, sobretudo na primeira infância, a convivência socioafetiva e a interação afetuosa entre mãe e filho tão imprescindível para o desenvolvimento adequado do indivíduo em formação.

A prisão domiciliar deve expressar a conjugação do interesse do Estado na persecução penal, responsabilizando-se o indivíduo que atentou contra as normas vigentes, sem descurar a proteção que as crianças e adolescentes devem receber de toda a rede de apoio, incluindo-se o Sistema de Justiça, através dos advogados, defensores, Juízes e, nós, Promotores de Justiça.

Friso que a prisão domiciliar constitui modalidade de restrição do estado de liberdade do indivíduo, devendo o beneficiado sofrer fiscalização estatal do seu cumprimento. Apesar de a lei não indicar quais são os requisitos e/ou medidas que a presa deverá se submeter para o cumprimento efetivo da prisão domiciliar, avalio que, nas hipóteses em que a prisão domiciliar é imposta para a preservação dos direitos da criança filha da presa, medidas protetoras desta criança devem ser exigidas para a manutenção dessa modalidade prisional, afinal de contas foi esse o intento do legislador com a previsão legal.

As condições ou restrições para a prisão domiciliar carecem de análise intersetorial. Com esse escopo, podem ser realizados: intercâmbio com os colegas da Infância e Juventude, estudos das equipes técnicas multidisciplinares do Tribunal de Justiça ou do Ministério Público, verificação das informações advindas do Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente como um todo etc. Como exemplos de condições para a manutenção da prisão domiciliar, enumero a necessidade de comprovação da vacinação da criança; a matrícula da criança em rede escolar ou em creche, quando houver vaga disponível; o acompanhamento da criança em consultas médicas.

E, para que a fiscalização correta da aplicação da prisão domiciliar seja possível pelo Ministério Público, a maior transparência de dados possível deve ser alcançada. Contudo, não é o que se vê atualmente. Em consulta ao site do Conselho Nacional de Justiça que relaciona os números de presos em todo o território nacional, com as rubricas de cada Estado da federação, o quantitativo de presos em prisão domiciliar no Estado do Rio de Janeiro é zero.[21]

No âmbito do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em conversa informal com a Coordenadora do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça Criminais (CAO Criminal), me foi relatado que para possibilitar o cumprimento do permissivo legal previsto no artigo 318, do CPP, estabeleceu-se um fluxo de informações com o Centro de Apoio das Promotorias de Justiça de Infância e Juventude (CAO Infância). O CAO Infância recebe a listagem de presas com filhos crianças da Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) no Grupo de Trabalho do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro da Primeira Infância, integrado pelo Coordenador do CAO Infância. A partir daí, a referida listagem é encaminhada para o CAO Criminal, que remete a informação para cada promotor com atribuição criminal que avaliará as providências cabíveis. Não há, contudo, um feedback dos casos em que houve a substituição da prisão preventiva pela domiciliar.

Em entrevista informal com colega experiente nas audiências de custódia na Comarca da Capital do RJ, soube que há dificuldade para a concessão da prisão domiciliar pela maior parte de juízes e promotores e, nos casos em que há o deferimento, os juízes muitas vezes optam pela liberdade provisória, eis que para sair da custódia prisional e ir para a casa em regime de prisão domiciliar, a SEAP exige o alvará de soltura. Destarte, para driblar a dificuldade burocrática e viabilizar o contato mãe e filho, concede-se a liberdade provisória.

Enxergo como motivo para a dificuldade de aplicação do permissivo legal da substituição da prisão preventiva pela domiciliar das gestantes e mães de crianças o afastamento entre as figuras do Promotor de Justiça com atribuição criminal e do Promotor de Justiça da área de Infância e Juventude.

Nas palavras do notável colega Emerson Garcia, sob a ótica funcional, “é possível falar em um único Ministério Público, já que a Instituição, por intermédio de cada um de seus ramos, desempenha, no seu âmbito de atuação, as funções institucionais que lhe foram atribuídas pelo texto constitucional”[22].

A especialização das funções no Ministério Público dá-se em prol da melhor prestação do serviço legal e constitucional. Todavia, o promotor criminal não pode se descuidar de outros interesses constitucionais a que deve tutelar. Os princípios da unidade do Ministério Público e da independência funcional devem ser lidos com as lentes do princípio da prioridade absoluta da criança e adolescente, da doutrina da proteção integral e do melhor interesse da criança. Nesse sentido, o Ministério Público deve articular internamente rede de proteção das crianças, estabelecendo fluxos internos, bem como externos à instituição para o pleno atendimento dos direitos da criança e adolescente.

A intersetorialidade é palavra-chave quando se fala na proteção da infância e consiste em uma “lógica de construção e operação das políticas públicas que potencializa recursos humanos, financeiros e materiais por meio do desenvolvimento de estratégias conjuntas de gestão e compartilhamento de informações pertinentes ao atendimento integral e integrado”[23].

O Promotor de Justiça, presentante do Ministério Público e integrante do Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente, deve tecer esta rede internamente, nos meandros institucionais, para alcançar a atenção integral à criança.

Conclusão:

Cabe ao Ministério Público, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis das crianças e adolescentes, zelar pela correta aplicação do permissivo legal constante do artigo 318, incisos IV, V, e VI, do CPP, exigindo e cobrando transparência das instituições envolvidas na persecução penal, através de dados e estatísticas.

Para o desenvolvimento adequado das crianças, em especial na primeira infância, a rede de apoio formada pela família, sociedade e Estado, aí incluído o Ministério Público, deve estar apta a amparar a mulher mãe para o árduo exercício da maternagem. E, para tanto, a intersetorialidade é primordial para o alcance deste objetivo.

Cada Ministério Público, portanto, precisa estabelecer fluxos de informações e protocolos de atuação que possibilitem e estimulem a intersetorialidade em favor dos direitos das crianças e adolescentes, em especial das que se encontram na primeira infância.

Como exemplos, menciono que toda vez que a prisão domiciliar for determinada para o resguardo dos direitos de nascituro ou de criança, o Ministério Público deve zelar para que restrições à presa sejam determinadas em proveito da criança.  Além disso, o Promotor de Justiça com atribuição criminal deverá comunicar o colega da Infância e Juventude acerca da possível situação de vulnerabilidade social vivenciada por criança ou adolescente, cuja mãe foi presa pela prática criminosa.

O Ministério Público proativo, resolutivo, uno e indivisível, deve integrar com plenitude a aldeia necessária para a criação de uma criança, aproximando os artigos 127 e 227 da Constituição Federal e zelando para a efetividade dos direitos fundamentais do futuro da nação.

 

Proposta de Enunciado:

O Promotor de Justiça Criminal integrará a rede de apoio intersetorial das crianças e, para tanto, cientificará o Promotor de Justiça com atribuição para a Infância e Juventude sempre que houver prisão de responsável por criança e/ou adolescente; nas hipóteses cabíveis, o Promotor de Justiça Criminal pugnará de ofício pela substituição da prisão preventiva da mãe de criança ou gestante pela prisão domiciliar; por fim, o Promotor de Justiça oficiará na prisão domiciliar pelo estabelecimento de restrições/condições favoráveis à criança ou nascituro.

 

* Autoria e Defesa perante a Comissão Temática:

Viviane Alves Santos Silva
Promotora de Justiça
Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
vialves@mprj.mp.br

 

[1] Extraído da Cartilha “Primeira Infância é prioridade absoluta”. Disponível em <http://prioridadeabsoluta.org.br/wp-content/uploads/2017/11/cartilha_primeira-infacc82ncia.pdf>, Acesso em: 25 de jun. de 2019.

[2] Investir no desenvolvimento na primeira infância: Reduzir déficits, fortalecer a economia. Disponível em: <https://heckmanequation.org/assets/2017/01/D_Heckman_FMCSV_ReduceDeficit_012215.pdf>. Acesso em: 25 de jun. de 2019.

[3] Young, ME; Richardson, LM. Early child development from measurement to action: a priority for growth and equity. Washington, DC: World Bank; 2007.

[4] Brasil. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 07 de jul. de 2019.

[5] DUARTE, Cláudia Türner P. Justiça, crianças e a família. Curitiba: Juruá, 2018, p. 195.

[6] HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM Editora, 2015, e-book.

[7] Importância dos vínculos familiares na primeira infância: estudo II/ organização Comitê Científico do Núcleo pela Infância. São Paulo: Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, 2016.

[8] WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 9.

[9]  Idem, p. 8.

[10] Idem, p. 20.

[11] Idem, p. 20-21.

[12] Importância dos vínculos familiares na primeira infância: estudo II/ organização Comitê Científico do Núcleo pela Infância. São Paulo: Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, 2016.

[13] Idem.

[14] HC 143.641/SP. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC143641final3pdfVoto.pdf>. Acesso em: 19 de jul. de 2019.

[15] Notícia disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/tuberculose-atinge-1500-cada-100-mil-presos-no-complexo-de-gericino-21959671>. Acesso em: 19 de jul. de 2019.

[16] CENTER ON THE DEVELOPING CHILD OF HARVARD UNIVERSITY. Excessive Stress Disrupts the Architecture of the Developing Brain. 2014. P. 2. Disponível em: <https://developingchild.harvard.edu/wp-content/uploads/2005/05/Stress_Disrupts_Architecture_Developing_Brain-1.pdf>. Acesso em: 19 de jul. de 2019.

[17] Pela liberdade: a história do habeas corpus coletivo para mães & crianças. São Paulo: Instituto Alana, 2019, p. 39.

[18] Encarceramento feminino. Policy paper – Segurança e Cidadania. FGV DAPP: Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: <http://dapp.fgv.br/publicacao/encarceramento-feminino-policy-paper/>. Acesso em: 11 de jul. de 2019.

[19] ALMEIDA, Leila Sanches de. Mãe, cuidadora e trabalhadora: as múltiplas identidades de mães que trabalham Revista do Departamento de Psicologia – UFF, v. 19 – n. 2, p. 411-422, Jul./Dez. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-80232007000200011>. Acesso em: 18 de jul. de 2019.

[20] Dados extraídos da matéria “Em 15 anos, número de famílias chefiadas por mulheres mais que dobra”. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2018/03/em-15-anos-numero-de-familias-chefiadas-por-mulheres-mais-que-dobra.html>. Acesso em: 18 de jul. de 2019.

[21] Dados obtidos no sistema GEOPRESÍDIOS do CNJ. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/gera_relatorio.php?tipo_escolha=comarca&opcao_escolhida=26&tipoVisao=presos. Acesso em: 18 de jul. de 2019.

[22] GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 55.

[23] Guia para orientar ações intersetoriais na primeira infância do Ministério da Saúde. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_acoes_intersetoriais_primeira_infancia.pdf>. Acesso em: 18 de jul. de 2019, p. 28.