Notícia

Cláudio Henrique e Felipe Ribeiro no Conjur: ‘O MP e o cidadão: atuação não pode se pautar apenas em relatos individuais’

Inserido em 7 de outubro de 2021
Compartilhamento

O presidente da Amperj, Cláudio Henrique da Cruz Viana, e o diretor financeiro da Associação, Felipe Ribeiro, assinam artigo de opinião no site Consultor Jurídico (Conjur), em que analisam a atuação do Ministério Público na defesa dos interesses sociais. Intitulado “O MP e o cidadão: atuação não pode se pautar apenas em relatos individuais”, o texto foi publicado na segunda-feira (4).

Leia Mais: Em nota, Conamp e CNPG apontam risco de retrocesso com PEC 05
Previdência Estadual: confira avanços fundamentais conquistados pela Amperj e associações

“Com o progresso da tecnologia e a possibilidade de contato instantâneo, o relacionamento entre a instituição e o cidadão se tornou ainda mais complexo. Milhares de notícias de violações de direitos passaram a chegar simultaneamente ao conhecimento do MP, dificultando seu poder de reação. Sem esforço, qualquer um pode reivindicar o acolhimento de animais abandonados no bairro, o fechamento de bares que invadem calçadas ou a aquisição de um aparelho de radioterapia. Basta um computador ou smartphone”, afirmam.

Em outro trecho, o presidente e o diretor financeiro da Amperj destacam o papel de guardião de direitos do MP. “Nessa nova caminhada, cada notícia de fato precisa ser vista como um dado — uma peça de um imenso quebra-cabeça. Seu tratamento e cruzamento com outras informações e fontes do conhecimento devem orientar a instituição a traçar diagnósticos capazes de superar as meras reclamações individuais.”

Confira abaixo a íntegra do artigo:

O MP e o cidadão: atuação não pode se pautar apenas em relatos individuais

Por Cláudio Henrique da Cruz Viana e Felipe Ribeiro

A Constituição Federal de 1988 completa 33 anos em outubro. Consciente dos solavancos da história, o constituinte conferiu ao Ministério Público, de modo irrevogável, a função de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos nela assegurados, incumbindo-lhe ainda a tarefa de adotar todas as medidas necessárias para garantir sua efetividade.

Essa função institucional, definida no inciso II do artigo 129 da Constituição, consagra o MP como instituição guardiã dos direitos assegurados no texto, nomeadamente aqueles associados à defesa dos interesses sociais.

A partir da redação dessa norma, consolidou-se ainda o entendimento de que o Ministério Público passaria a funcionar na nova realidade constitucional como uma espécie de ouvidor-geral. A ele competiria a missão de se conectar com a sociedade e criar condições técnicas para defender os direitos do cidadão.
Para gerar essa conexão, tem-se apostado tradicionalmente nos canais oficiais de ouvidoria do MP. Historicamente, a maior parte das informações sobre violações de direitos que chega à instituição tem origem em notícias de fato encaminhadas por pessoas, físicas ou jurídicas; é através dessas informações que os órgãos do Ministério Público tomam ciência de fatos que, em tese, configurariam desrespeito do poder público a direitos assegurados na Constituição Federal.

Funciona da seguinte maneira: alguém informa à instituição que a igreja de sua rua não faz isolamento acústico, e o promotor de Justiça instaura um inquérito civil com o objetivo de instruir uma eventual ação civil pública. A mesma metodologia de trabalho é empregada para garantir a reforma de um posto de saúde, demolir construção no espaço público ou melhorar as condições de uma unidade prisional.

Foca-se na experiência micro para resolver problemas de dimensão macro.

Com o progresso da tecnologia e a possibilidade de contato instantâneo, o relacionamento entre a instituição e o cidadão se tornou ainda mais complexo. Milhares de notícias de violações de direitos passaram a chegar simultaneamente ao conhecimento do MP, dificultando seu poder de reação. Sem esforço, qualquer um pode reivindicar o acolhimento de animais abandonados no bairro, o fechamento de bares que invadem calçadas ou a aquisição de um aparelho de radioterapia. Basta um computador ou smartphone.

A realidade — antes fragmentada pelos entraves da comunicação analógica — se apresenta hoje de modo monumental. Descobrimos que não há só uma igreja emitindo sons acima do tolerado. Há centenas! Não há uma escola pública com problemas de infraestrutura. Há diversas! Não há apenas a “dona Maria” ou o “seu João”. Há milhares de Marias e Joãos esperando uma pronta resposta da instituição.

Como deve proceder o Ministério Público? Interromper esse canal de comunicação com a sociedade? Rejeitar as milhares de notícias de fato que invadem a instituição diariamente?
Não.

Contudo, é preciso reconhecer, com urgência, que o tradicional modelo de trabalho “notícia de fato-inquérito civil-ação civil pública” — há muito a referência metodológica em temas relacionados à cidadania — quase nunca se ajusta à realidade da sociedade. Sabe-se que o desrespeito por parte dos poderes públicos a direitos constitucionais, por ação ou por omissão, vai muito além do noticiado individualmente. Investir nesse método, além de impreciso e caro (pois multiplica procedimentos e demandas judiciais), parece ignorar uma certeza: as informações dos canais de ouvidoria não dimensionam, sozinhas, o tamanho real da violação aos direitos em jogo. Se há centenas de igrejas poluidoras, postos de saúde com problemas estruturais, buracos no asfalto ou ausência de professores em sala de aula, esses são os fenômenos de dimensão coletiva a serem investigados e combatidos. Focar na percepção micro do indivíduo implica, na prática, renúncia de parte do todo.

Assim, zelar pelo respeito dos poderes públicos aos direitos exige hoje do MP um entendimento mais amplo sobre a atuação das autoridades na solução de um problema. Provocar o Poder Judiciário a fechar um estabelecimento que invade a calçada ou obrigar judicialmente o reparo do telhado de uma escola, sem compreender de que modo uma política pública se desenvolve — inclusive do ponto de vista orçamentário —, além de casuístico, subestima a real dimensão de uma violação (estrutural) de direitos.

Por tudo isso, o tripé metodológico tradicional precisa ser atualizado para que o Ministério Público potencialize seu papel de guardião de direitos conferido pela Constituição. Nessa nova caminhada, cada notícia de fato precisa ser vista como um dado — uma peça de um imenso quebra-cabeça. Seu tratamento e cruzamento com outras informações e fontes do conhecimento devem orientar a instituição a traçar diagnósticos capazes de superar as meras reclamações individuais.

Nas situações em que a violação de direitos vai muito além da irresignação individual, é papel do Ministério Público encontrar mecanismos para auxiliá-lo no exato dimensionamento do problema e das melhores soluções, judiciais ou extrajudiciais, para enfrentá-lo. Evita-se, com isso, desperdício de tempo, energia e recursos públicos, causado pela multiplicação desnecessária de investigações e ações judiciais que, no fundo, tratam de meros fragmentos do todo.